O que é preciso para viver uma ‘noite feliz’?
Era 24 de dezembro, o dia amanheceu ensolarado e Gui acordou cedo com a movimentação das pessoas dentro do lar. Todos os anos o ritual se repetia. Na véspera de natal o abrigo ganhava um ar diferente, a monotonia dava lugar a euforia, pessoas inundavam os corredores e a sala principal ganhava decoração especial e comidas gostosas.
Esse ano não seria diferente. A organização da festa começou assim que o sol raiou, quando as crianças acordaram a mesa da ceia já estava sendo montada, tudo foi pensado para que cada uma delas tivesse um lugar reservado. Os veículos com os presentes — brinquedos e roupas arrecadados por meio de doações — chegaram no abrigo antes do horário do almoço e foram colocados aos pés da enorme árvore de natal da sala de TV.
A cerimônia de entrega de presentes é iniciada, tradicionalmente, às 20h. Ou seja, as crianças enfrentaram longas horas de espera e ansiedade para abrir os presentes do Papai Noel.
Para um garoto de 10 anos, esse dia era muito especial. Fugia da rotina e trazia uma sensação de esperança. Era o dia de aproveitar a comida feita especialmente para ele, o presente escolhido para ele, no tamanho dele. Coisa rara de se acontecer, já que a maioria das roupas das crianças que viviam ali eram de segunda ou terceira mão e nem sempre ficavam ajustadas ao corpo.
Gui não sabia explicar o que sentia nessa data, mas todos os anos a mesma sensação surgia em seu peito: um misto de extrema felicidade e vazio.
Ele amava ganhar roupas novas, brinquedos e doces. Abrir as embalagens coloridas e cheias de laços era sempre um momento de muita euforia e alegria, principalmente, porque ele compartilhava essa sensação com seus amigos.
Porém, no fundo do seu peito existia um vazio, porque ele sabia que no dia seguinte as coisas voltariam ao seu ritmo normal. A decoração continuaria ali até janeiro, mas as pessoas que enchiam o abrigo de vida, voltariam para suas casas e ele continuaria ali, na companhia dos outros órfãos e dos funcionários do local.
O que Gui mais queria de presente de natal era uma família igual a dos comerciais natalinos que ele assistia todo ano durante os intervalos do seu desenho favorito, na sala do abrigo.
Seu sonho era ter uma ceia ao lado de um pai, uma mãe, avós, tios e primos. Ele queria ter lembranças em família desse evento que, de acordo com as propagandas do refrigerante que ele bebe nas festas do abrigo, parece tão especial.
O que faltava para aquela noite ser realmente feliz para Guilherme, era a certeza de, no dia seguinte, ter o aconchego e o amor que só a família pode nos oferecer durante a infância.
O afeto e o amor de família ainda são os melhores presentes que o natal pode oferecer a uma criança. Digo isso porque carrego comigo lembranças maravilhosas das festas de fim de ano ao lado dos meus familiares, e por aqui nunca tivemos a tradição de dar presentes no natal, apenas abraços e muita comida na mesa.
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